segunda-feira, 24 de outubro de 2011

As meninas da Acésio

Eu ainda morava no Santa Marta.Pra mim era um prazer acordar cedo todos os dias e ir caminhando por dentro do condomínio até o ponto de ônibus pra ir trabalhar.Amava os afagos do vento, sempre me pegando pela mão e acariciando meu rosto.Naquela manhã de setembro de 2008 eu encontrei Amanda sentada no banquinho de cimento esperando o "verdão" passar. Estava diferente.Visivelmente com problemas,mas ainda tão doce. Fui abraçá-la com o corpo e toda a alma.Sorrisão querendo passar um pouco da minha paz matinal à ex-vizinha tão vulnerável naquele instante.

No decorrer do meu gesto acolhedor ela se esquivou. Disse que não era pra eu abraçá-la, porque fazia uma semana que não tomava banho e não queria sujar minha blusa branca.Disse isso com a gratidão e humildade maior do mundo.Insisti: "Que bobagem!Deixa eu te dar um abraço.Anda"! Se esquivou mais um vez e eu respeitei sua vontade. Puxei assunto pra ver se tinha alguma palavra que pudesse tirá-la daquela angústia guardada numa grande caixa miudinha guardada dentro de tantas outras. Desconversava. Olhava pra mim como se tivesse olhando a imagem de uma santa. Os olhos brilhavam. Surgiu um sorriso devagar sobre a pele cor de leite.E disse: "Você se tornou uma linda mulher,Larissa"! Deu um nó na garganta. Sabia que tinha algo muito errado,mas não sabia o quê,como,quanto.

Finalmente chegou o "verdão" rumo ao centro da cidade. Entramos. Na hora de passar na roleta ela me perguntou: "Você é jornalista,não é?". Com minha resposta afirmativa ela continuou: "Você deveria fazer um livro sobre as meninas da nossa rua. O nome do livro seria 'As meninas da Acésio'. Ela ficou sentada na parte da frente e passei para a parte de trás emocionada com aquele pedido. Ela estava fraca,pálida, mas ainda conseguia ser gentil e linda.Ela se orgulhava de ter crescido naquela rua comigo e tantas outras garotas: Letícia,Laís,Thábita,Ellen,Larice,Marcela...

Dois dias depois do nosso encontro ela se foi de forma trágica. Queria ter escrito isso antes, principalmente para as "meninas da Acésio", mas era muito sofrido verbalizar esta passagem. Enquanto escrevia este texto recebi a ligação de um amigo que perguntou se eu estava gripada.Eram as lágrimas guardadas por três anos que estavam vindo à tona.
 

Um comentário:

  1. Emocionante!
    Enquanto eu lia fiquei pensando que essa linda história poderia perfeitamente ter como trilha sonora esta canção, cuja letra é uma belíssima poesia que se constitui numa verdade insofismável:
    http://letras.terra.com.br/oswaldo-montenegro/65521/

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